Monday, June 18, 2007

Aruanda - 1970


Aruanda LP – CD – Cáritas – 1970


1. Hino da Umbanda; 2. Ponto de São Severino; 3.Seu Tangaraí; 4.Sultão das matas; 5.Sarava o Caboclo Humaitá; 6.Clarão da Lua; 7.Bambolê Olé Olá; 8.Luz Bonita; 9.Serra Negra; 10.Ponto da Cabocla Jurema; 11.Iluminou a Aruanda; 12.Samambaia; 13.Ogum Mege;

Tenda São Jorge, Tenda Tupã Oca; Tenda Pai Anastácio; Tenda Cacique Tupy; Tenda de Umbanda Ozazi;Tenda Pai Manoel de Angola; Tenda Caboclo da Mata; Tenda Cacique Tupy; Tenda Caboclo Pena Dourada;

Ora, senhores, o que dizer deste disco, desta Umbanda esquecida nestes sulcos, deste Brasil grande que teimamos em negar cada vez que abrimos o “Lap-top”, que entramos numa “Fast-food”, que fazemos o “Check-in”? Como falar do que esquecemos, do que negamos? Tenhamos calma, pois estamos frente a um gigante...


Uma bandinha militar começa o disco, meio torta, meio balançante, tentando acertar o ritmo do Hino da Umbanda, se adaptando a um tipo de estrutura a qual não está acostumada: tenta “suingar” com a letra em 2 por 4, pois a batida em original é em Cabula, um dos toques mais conhecidos dos terreiros do Brasil. Aparentemente todos os terreiros presentes no disco se reuniram para cantar o hino da Umbanda, numa espécie de celebração. O que parece desafinado para músicos de ouvidos ocidentais, é comum na chamada música modal, a música dos povos antigos, a mesma música que deu origem às civilizações. E nesse conflito de passado/presente, surge o surpreendente equilíbrio das diferenças.


A música umbandista quase sempre foi assim: é música de gente simples, gente sem dente, gente de roupa barata, mas elegante, gente sem grandes extratos bancários, mas de grande coração, gente com fé, com esperança, com determinação. É música de pessoas inteligentes. Pois quem, no mundo tem nossos ritmos? Qual religião? Qual filosofia tem os mistérios de Exu, as ciências do Catimbó, a arte das mirongas de Criança? As cores e sabores dos Orixás? Apesar do contato com o céu, gente do santo é gente de pé no chão. Pessoas orgulhosas de serem os únicos a contemplarem diariamente uma verdade desconhecida por muitos: a presença de um mundo espiritual rico, verdadeiro e atuante em suas vidas.


Quem não percebe o Brasil como ele é - lindo em sua diversidade - não percebe a beleza da voz da Colofé da tenda Tupã São Jorge: enraizada no calor e no pó da alegria que desperta do sofrimento, do prazer que desfere um basta para toda dor e miséria; não sente a importância das vozes das ogãs da Tenda Tupã Oca, resquícios dos cantos antigos das Ycanyabas, brandindo seus chocalhos, num maravilhoso culto híbrido com as antigas roças de Toré e de Jurema. Cantam afinado sem saber, pois afinar é se render às ditaduras do tom e esse meu povo do santo não se rende nunca, pois viver com o Orixá é viver bem e feliz, mesmo com toda dificuldade de um país injusto com os mais simples. Não há rendição, pois não há cansaço!! São filhos de Ogum, lutador, de Xangô, o justo, de Oxossi, incansável!! São filhos de Caboclo, sempre altivo, feliz e potente em sua simplicidade; são pacientes filhos de Preto Velho e felizes filhos de Criança, neste paradoxo das identidades do que é e será para sempre.
Sabem que a justiça e a harmonia virá um dia para todos! Fraternidade e caridade sempre serão o seu mote, a sua trilha. Por isso tantos são pobres - a exemplo dos antigos patriarcas: Jesus, Buda, Francisco de Assis? Que lhes importava além de sua túnica e da felicidade em se ter compaixão pelos outros? Sim, pobres, mas jamais devedores!! E não se preocupam com a estética profana, essa ante-sala da vaidade, pois sabem que num ritual, a estética, a plástica, a postura, é determinada quase sempre pelo astral que acoberta o terreiro e estrutura a tudo e a todos quando se evidencia a sua ancestralidade.


Essas vozes soam maravilhosas, como anjos brasileiros, anjos aleijadinhos, mal formados de corpo (pois o que comem os anjos?), mas lindos de embriaguez espiritual, de mãos calejadas pelo trabalho pesado e pelo beijo do crente fervoroso... das gargantas das cantoras da Tenda Pai Anastácio milhares de anos contemplam um passado visto apenas pelos olhos dos vermelhos ancestrais e dos sacerdotes negros das esfinges dissolvidas nas areias... como não se emocionar com o Clarão da Lua do Caboclo Cangaíba da tenda Ozazi? Um ponto cantado para o senhor Ipojucan e outros caboclos sob outras formas musicais, mas que encerram o mistério da Umbanda na emoção que ela instiga e provoca. Silenciosa, ela surge por trás de tambores magnéticos, destes antigos terreiros que ainda giram na alma de quem os presenciou nos antigamentes de uma infância colorida pela mística das roupas e colares.


Por isso estas pessoas cantam além das afinações convencionais. Cantam nos seus limites, no máximo que a voz pode atingir, vibrando o corpo como um sino, porque o único limite possível e permitido é a própria alma, a periferia do espírito. Querem atingir algo além da pobreza, da tristeza e da violência de um Brasil que não é nada disso. Muito pelo contrário: o Baratzil, berço da antiga tradição é constantemente renovado, limpo e dignificado por estes corais e estes atabaques abençoados, pois a nossa terra, assim como estes e outros templos, é a terra da alegria, do cessamento de toda dor e da revelação de toda verdade através da libertação pela música e pela presença de nossos ancestrais, oriundos das pátrias da Aruanda, o Yvi –Mara Hei, o Orun, a eterna Terra sem Males...


Para ouvir a faixa 4, "Sultão das matas", clique abaixo:

1 comment:

Anonymous said...

Parece que em 1985 esse disco foi relançado, mas com outro título: "Saudação a Umbanda"