Monday, May 18, 2009

Adão Daxãlebaradã - Escolástica - 2003

ESCOLÁSTICA - Adão Dãxalebaradã- 2003 - CD - Selo Ambulante

1-Armas e Paz; 2-África; 3-Computador; 4-Bibi Lobi Woa; 5-Luanda; 6-Deus é um Negrão; 7-Vida Curta; 8-Escolástica; 9-Diamante; 10-I Ia Laa; 11-Xirê; 12-Vida Curta (Remix); 13-Armas e Paz (Remix);


Adão Daxãlebaradã: um gênio destruído pela violência


Um dia o cineasta Walter Salles subiu o morro do Cantagalo, no Rio, à procura de novas expressões artísticas. De lá, saiu com um documentário e uma descoberta: Adão Dãxalebaradã. Waltinho foi levado à casa desse músico desconhecido por Luanda, caçula dos filhos de Adão e bailarina do projeto Dançando para Não Dançar. O diretor de Central do Brasil ficou impressionado com o compositor, de mais de 500 canções, e o apresentou à sua parceira Daniela Thomas e ao irmão dela, o produtor musical Antônio Pinto. “Fiquei obcecado em registrá-lo. Adão tem um discurso de contestação, de paz, mas com olhar particular”, disse Antônio. Hipnotizados pela mistura de sons – reggae, samba, afro-beat, rap – e pelas letras vigorosas, os três decidiram revelar Adão. O resultado foi o disco Escolástica, o documentário Somos Todos Filhos da Terra e o videoclipe Armas e Paz.

Sobrevivente de emboscadas da polícia e de bandidos, levou 12 tiros. Quatro foram de metralhadora, e foi perseguido por 30 homens da polícia especial. Segundo Adão, o motivo foi ele ter sido excluído do Exército, conforme crê, por preconceito racial. Passou a pregar peças no coronel responsável pela sua exclusão. Em plena ditadura militar, conta ter sido até torturado. Um dos tiros de metralhadora ficou a um dedo do coração, e Adão passou meses no hospital.

A última bala ele levou quando tentava se afastar da violência do morro, como mecânico, em 1973. Em tese, foi assalto. Quis reagir e, sem ver que havia outro bandido atrás, foi alvejado. O tiro o deixou numa cadeira de rodas. “Sou semiparaplégico, consigo andar segurando nas coisas, tomar banho sozinho, fazer sexo", dizia. "Na verdade o tiro foi um mal que veio para bem, pois descobri as coisas da Umbanda e do Candomblé”. Daxãlebaradã é uma qualidade de Xangô que significa “Princípio, Meio e Fim”. Este foi o nome espiritual que adotou desde então.

Adão começou a fazer música aos cinco anos: “Meus pais eram crentes. Fazia hino de igreja”. Sua brincadeira era imitar o pastor. Aos oito anos, fugiu de casa e foi morar na rua. “Não tinha liberdade, era criado na base da pancada. Não podia jogar bola de gude nem soltar pipa porque eram coisas do diabo”, lembrava ele, o mais velho de nove irmãos. “Só podia brincar no porão. Não podia me misturar com filhos de pessoas que não eram da igreja.”
Na rua, sobrevivia com o que lhe davam. Foi encaminhado a uma instituição para menores, onde ficou dos 9 aos 17 anos. Foi guia espiritual de sua comunidade e por ser ligado às raízes afro-brasileiras, compôs cerca de 500 músicas sobre o tema. Residia no Morro do Cantagalo, em Ipanema. Faleceu no Hospital Miguel Couto, segundo alguns, vítima de uma Hepatite C com infecção generalizada, sendo enterrado no cemitério São João Batista, mas há muitos que juram que Adão incomodou o pessoal do tráfico, quando fêz a música "armas e paz", um protesto criticando o tráfico de armas e sua morte foi "repentina" e estranha demais...
A música de Adão é forte, cheia de fúria, com as letras focadas na injustiça de todos os matizes. Tocava apenas um atabaque - que era como compunha suas músicas - e muita gente achava que fazia parte da galera do funk carioca, o que o produtor Antônio Pinto provou não ser verdade, pois construiu junto com Adão um dos discos mais lindos da história da música brasileira. Adão era um homem de raiva e de fé, raiva dos poderosos que manipulam idéias para manter os homens escravizados, raiva da apatia dos seus iguais e fé na força de suas origens no Orun e nos rios da África, que o inspiravam na sua pregação libertária. Com uma voz rouca e profunda, forjada na tristeza e na difícil vida que levou, ela soa como se viesse de antes dos tempos, tempos melhores que estes que o fizeram vítima da violência. Adão foi uma perda, quase despercebida pelos homens, mas certamente, será sempre lembrado pelos deuses.
Deixou dois filhos: Ortinho e Luanda.
Para ouvir a faixa 2, a maravilhosa "Mãe África", clique abaixo:


3 comments:

Fernando Pinto said...

Louvável, sensível e honroso, palavras que me vêm à mente ao ler o texto sobre mestre Adão Dãxalebaradã... como pôde ficar tão esquecido de nós, brasileiros, um músico desse quilate? Precisamos repensar tudo... Parabéns Mestre Obashanan pelo trabalho inestimável para a preservação de nossas tradições musicais mais profundas... Acerfo FTU, um paóóoóóóó retumbante é o que lhe oferecemos, nesse instante...

Yan Kaô (Obashanan) said...

Olá Fernando... imagine quantos iguais a ele não estão por aí na mesma situação. E quantos iguais a nós ignoram tudo isso devido ao muro social. Somos o que devemos..

Fernando Pinto said...

Salve Yan Kaô, realmente, mas as coisas começam a mudar com iniciativas como as do Acervo, e pela atuação de outros músicos que isoladamente procuram resgatar nossa musicalidade. Neste final de semana que passou, por exemplo, assisti a uma apresentação de algumas pessoas que fazem parte de um grupo de música nordestina chamado "Pimenta do Reino", pelo aniversário de uma amiga no bairro de Brás de Pina, subúrbio do Rio de Janeiro, no qual seu filho, o flautista e percussionista Paulo Júnior, um rapaz de apenas 28 anos, deu um verdadeiro espectáculo pilotando uma flauta transversa em músicas do cancioneiro Pernambucano, em pleno solo carioca, resgatando suas raízes nordestinas! Enfim, nem tudo está perdido, vida longa a todos vocês que nos enchem de alegria e satisfação por preservar e resgatar o que de mais rico temos em nosso cancioneiro...