OS NEGROS DO ROSÁRIO - LP - SONHOS & SONS - 198801.Abá Cuna Zambi Pala Oso (Pedrinha de Lourdes Santos); 02.Nêgo véio / Ela que mandou (Hélio Evangelista do Carmo); 03.1888 (Domínio Público); 04.Beija-fulô/ ai, pavão...Quando Deus andou pro mundo (Domínio público); 05.Ô, minha mãe / Meu coração está doendo(José Manoel)/ ( Maria das Graças de Morais, Celso Dimas Pinto,Francisco Machado da Silva)06.Tamborim / Balaim de fulo/ Vamos coroar (Domínio Público); 07.Toque de Catupé (Lázaro da Silva); 08.Vilão de Nossa Senhora do Rosário; 09.Vilão de Santa Efigênia; 10.A volta do mundo/ Dói coração / Chorei chorar (Domínio Público); 11.Mariazinha (domínio público adp. Pedro Aponízio dos Santos); 12.Ê, princesa/ Beira –mar-ô (Valdemir de Souza); 13.Ê, minha mãe / Virgem mãe das Mercês / Eu sou de voto / Venha ver (Antônio Eustaquio dos Santos); 14.Engoma / Olé-Oleleô/ Taquaia; 15.Na (Sebastião Pinto de Souza ,d.p. adapt);Grupos que participam do disco:
Lado A: 01 – Moçambique de Nsra das Mercês; 02 – Moçambique de São Benedito; 03 – Catupé de Nsra do Rosário; 04 – Catupé de São Benedito; 05 – Moçambique de Santa Efigênia, Catupé de Nsra das Mercês; 06 – Moçambique de Santa Efigênia, Catupés de Nsra do Rosário e Santa Efigênia; 07 – Catupé de São Benedito;
Lado B: 01 – Moçambique de Nsra Das Mercês; 02 – Vilão de Nsra. Aparecidade; 03 – Catupé de N.Sra. do Rosário (Bairro da Graça); 04 – Catupé de N.sra. do Rosário (Rua da Preguiça); 05 – Moçambique de N.Sra. Aparecida; 06 – Vilão de N.Sra. do Rosário; 07 – Moçambique de N.Sra. do Rosário;
Este disco foi gravado entre setembro de 1986 e setembro de 1987 nas ruas de Oliveira/MG durante a Festa de Nossa Senhora do Rosário.
A música e a cultura Bantu ainda hoje permanecem um mistérios para nossa gente, quer seja pelas inúmeras nações que aqui aportaram, com suas variadíssimas manifestações de religiosidade, quer seja pela presença portuguesa que já era forte em terras de Angola/Congo desde o século 16. Desde que os portugueses chegaram ao Golfo da Guiné, o cristianismo entrou lá e pegou. Em 1533, foi criada a diocese de Cabo Verde e Guiné. Outra diocese fundada no reino do Congo já celebrou os seus 400 anos de existência, assim, muitos escravos bantos do Brasil já eram cristãos na África. Assim, muitos povos Bantu já chegaram ao Brasil catequizados, ou trouxeram suas manifestações religiosas e culturais já sincretizadas com os sistemas católicos e/ou mesmo muçulmanos e judaicos, expressos fortemente no Congado Mineiro, essa manifestação que já existia em Portugal - celebrada pelos negros - antes mesmo da descoberta do Brasil.
No Golfo da Guiné, a recepção do cristianismo não foi passiva. No reino do Congo, surgiram algumas manifestações afro-católicas. A jovem Beatrice Kimpa Vita liderava um movimento de Sto. Antônio, que africanizava o cristianismo, procurando fazer retroceder, de forma inteligente, a dominação religiosa. Ela encarnava Santo Antônio e disse que Jesus e muitos santos nasceram no Congo. Beatrice foi condenada pela inquisição e morreu na fogueira, em 1706. Curiosamente, no Brasil, encontramos Luiza Pinta, escrava de Angola e devota de Santo Antônio em Sabará (MG), que foi torturada pela inquisição, em Lisboa no ano de 1742. Quem sabe, a Luiza tenha pertencido ao movimento da Beatriz? E quem sabe, o sincretismo de Santo Antônio com as divindades guardiãs (os Njilas, Baras e Exus), não tenha se iniciado já na África e não no Brasil, assim como outras divindades Jeje e Yorubás?
Em 1526, já havia na ilha de São Tomé a irmandade dos "Homens Pretos". Outras irmandades do Rosário existem no Congo, na Angola e em Moçambique, desde o séc.XVII. Antes de 1552, já existia no Brasil uma irmandade para os escravos da Guiné, segundo Frei Odulfo van der Vat e outros historiadores. Em 1610, o rei do Congo entrou na irmandade do rosário fundada por Fr. Lourenço O.P., em Mbanza, capital do Reino do Congo. Assim, as irmandades do rosário surgidas no Brasil, não vieram só da Europa, mas também da África. Provavelmente, houve escravos africanos que já vieram para cá como irmãos do rosário.
E como Nossa Senhora do Rosário entrou na devoção dos negros, em Portugal, na África e no Brasil? Uma lenda contada em todas as irmandades coloca a Senhora do Rosário como sendo a origem do congado (assim, há que se verificar as origens de cultos no Brasil, tais como o Omolokô, que têm relação profunda com as festas do Congado Mineiro). A irmandade do rosário (dos brancos) fundada na Alemanha em 1409, chegou a Lisboa em 1478. A mais antiga menção a uma “Confraria de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos” encontramos em 14 de julho de 1496, portanto quatro anos antes da chegada dos portugueses ao Brasil. Esta informação consta num alvará dado à dita confraria, sita no mosteiro de S. Domingos de Lisboa, "para poderem dar círios e recolher as esmolas nas caravelas que vão à Mina e aos rios da Guiné". Para quem gosta de comprovações acadêmicas, encontra-se este importante documento no Arquivo Nacional da Torre do Tombo em Lisboa: Confirmações Gerais, L.2 fls.107v.-108.
Chegando aqui, os Lunda, Kassange, Kongos, Angolas, Moçambique e tantos outros, ao se relacionarem com seus aparentados sudaneses fizeram uma nova conexão cultural, que resultou nas várias formas de culto e musicalidade que vemos hoje no país.
Um exemplo disso é a faica de abertura do disco, onde se ouve na voz de dona Lourdes, um dialeto curioso, onde a mistura de Yorubá, Umbundo além de palavras em Tupi e Português resulta numa sonoridade suave e tão brasileira que dá gosto de ouvir. Os tambores são executados em células simples, mas com um peso hipnótico, sendo tocados por horas a fio, talvez lembrança das festas intermináveis dos povos Lunhaneka e Kikongo.