Sunday, August 09, 2009

CEGO OLIVEIRA - 1988



CEGO OLIVEIRA - Rabeca e Cantoria - 1988 - Reedição - CD - 1999 - Cariri Discos
Disco 1 - Lado A - Asa branca; 2-Leva eu Corina; 3-Maria José; 4-Sereno de amor; 5-Morena bota a barca n’água; 6-São José também chorou; Lado B - 1 - Choro da cabritinha; 2-Ai, Lampião, cadê tua muié?; 3-Minha rabequinha; 4-Bendito de N. S, das Dores; 5-A revolta de São Paulo; 6-Despedida de reisado;
Disco 2 - Lado A - 1-Acorda Maria acorda; 2-Lampião; 3-Bendito de N. S. das Candeias; 4-Bendito de N. S. do Socorro; 5-Essas mocinhas de hoje; Lado B - 1-Severina; 2-Águas caririzeiras; 3-Arraiá; 4-Anunciada; 5-Zebelê; 6-Adeus pessoal; No cd é acrescida "Na porta dos Cabarés"

Compositor. Instrumentista. Tocador de rabeca. Cantador. Uma lenda da música brasileira!

Cego Oliveira não era exatamente cego, mas portador da visão subnormal. Ao registrar o mundo ocorriam-lhe alterações oculares que produziam interferências na sua maneira de olhar. Uma outra visão de mundo. Em geral, via mais longe com sua criatividade do que os que olham apenas por suspeita.

Natural do Juazeiro do Norte, no Ceará, em 1929 teve o primeiro contato com a rabeca, ao receber de um tio um desses instrumentos (lembrando que nossa Rabeca pouco tem a ver com o Violino europeu. É, antes, um instrumento de origem árabe/judaica - o Nefer, ou Rebab árabe -, cruzado com as Maracás de nossos índios - Maracás eram o nome dado não só aos chocalhos, mas aos violões e violinos Tupis-Guaranis).
Foi um representante de um estilo musical pouco conhecido e em vias de extinção: o romance. Os romances remontam à Europa medieval, e contam histórias - por vezes bastante longas- em forma de versos com estrofes e rimas intrincadas. Oliveira declarou já ter possuído um repertório de nada menos que 75 "rumances", dentre os quais o famoso "Romance do Pavão Misterioso" e "A verdadeira história de João de Calais".
Tal qual um menestrel Ibérico, percorria praças e feiras desfiando sua cantoria e ponteando sua rabeca a troco de moedas e dinheiro miúdo dos ouvintes, em sua maioria, gente humilde do sertão do Ceará, cuja única diversão era ouvir velhos cantadores.
A popularização do rádio foi aos poucos acabando com o espaço de Oliveira e outros vates da época, que passaram a sobreviver tocando em velórios, batizados ou aniversários. Em 1975, Cego Oliveira foi filmado pela diretora Tânia Quaresma no documentário "Nordeste: Cordel, Repente e Canção" (que vocês podem assistir abaixo). É interessante notar a posição com que toca sua rabeca, apoiada sobre os ombros, e o fraseado simples, utilizando os harmônicos naturais das cordas. Observe também a influência da cantoria de viola, onde o cantador para de tocar o instrumento enquanto canta, fazendo-se acompanhar de marcação rítmica batucada no próprio corpo do instrumento.

Aprendeu a tocar por conta própria e a decorar os versos das cantorias com a ajuda de um irmão quer lia para ele os versos dos romances. Aprendeu a viver duramente como muitos de nossos heróis que insistimos em não ver - cegos as avessas que somos com nossa cultura (só vemos o que desejamos) -, pois estes se apresentam com a roupa rota, com os pés e as mãos calejados e o olhar triste de séculos de opressão e agonia. São uma amostra clara do Brasil que insistimos em negar e esquecer. Enfim, nos envergonhamos do que nos faz ilustres. O seu jeito de cantar e tocar traz a valência de todo o mistério religioso do nordeste, em especial as litanias católicas em paralelo com os lamentos indígenas. Há muito do aboio, de origem árabe, ecos de um oriente furioso, revelando ao mundo moderno o poder da ancestralidade modal e sua voz é o exemplo fustigante das rezas dos verdadeiros encantados, além dos temas onde morte, sofrimento, alegria e amor se combinam nas doses exatas para o deslumbramento.

Há algo que une cantadores do Brasil como Cego Oliveira aos primitivos Bluesmen americanos como Robert Johnson e Blind Lemon Jefferson (este também cego) além do sentimento de "Banzo" (palavra Quibundo significando tristeza que foi relacionada pelos afro-americanos à palavra inglesa "Blues"), mas apesar disso, há um interesse muito maior dos brasileiros pelo Blues americano do que pelos cantadores de nossa terra, quase sempre desprezados e esquecidos. A verdade é que o público brasileiro não sabe lidar com os valores que possui. Se fosse americano, Cego Oliveira seria conhecido e repeitado no mundo inteiro.

O tocador de rabeca morreu em 1977 com 94 anos, pobre e desconhecido.
Para ouvir a impressionante "Na porta dos Cabarés" Clique abaixo:




O igualmente impressionante e único vídeo de Cego Oliveira, finalzinho de "Na porta dos Cabarés":







4 comments:

Roger Taussig Soares said...

Olá Yan!

Impressionante o Cego Oliveira! Lembrei-me dos aedos e rapsodos da Grécia antiga que, com sua arte e prodigiosa memória, andavam pelas cidades cantando e recitando a sabedoria tradicional.
Parece que a arte estava vinculada à transmissão do conhecimento de uma forma lúdica e não era apenas entretenimento. Também não parece que havia um esforço para encher a música de significados, isso simplesmente acontecia de modo natural. É o que se vê nessa estória de ascenção e queda, na porta dos cabarés.
Parabéns pelo trabalho do blog Ayom!

Yan Kaô (Obashanan) said...

Grande Dr. Roger!! É sempre um honra recebê-lo em nosso espaço! Realmente, a tradição de "contar histórias" existia no mundo inteiro, desde os Akpalôs e os Griots africanos, até o Shieng Tai chineses, passando pelos Aedos e Menestréis europeus. Era não só um meio importantíssimo de transmissão de saber, mas antes, uma importante ferramenta de distribuição de cultura entre povos diferentes, além da criação da ponte profunda entre artes aparentadas como a música e a poesia em comunhão com a capcidade de se fazer entender através da interpretação, o que deve ter sido a origem, também, do teatro e outras atividades não somente lúdicas, mas também de evolução das propriedades humanas de crescimento espiritual e cultural.

Abraços!

Ayan Irê Ô!

Adriano Oliveira said...

Que belíssima peça!

Olha irmão, inspirado neste blog, eu também construí um mais ou menos no mesmo estilo.Vai falar um pouco de umbanda, mas também de outor assuntos de meu interesse...

Quando puder, visite e/ou comente..

www.ohomemcomendomacarrao.blogspot.com

Yan Kaô (Obashanan) said...

Adriano, gostei muito do seu blogue, principalmente da idéia do seu professor, de ver-se comendo macarrão. Não vou tentar fazer porque posso correr o sério risco de enfartar de medo. MAs continue!! E quando tiver algum disco macumbístico de peso, nos escreva prá que possamos trocar! Olha que o germano e aquele bezerra já me interessaram por algumas faixas!! Abraço!