Saturday, August 01, 2009

A Índia Negra e os paralelos de união entre os cultos brasileiros

Indianos do grupo Siddi

Umbanda e Candomblé em algum ponto de sua história religiosa se unem, ou pelo menos se encontram ou derivam um do outro, quer seja a Umbanda descendente dos Candomblés Bakongo/Ngola, quer seja o próprio Candomblé Yorubá Urbano, que ressurgiu nas grandes metrópoles a partir do contigente Umbandista em cidades como São Paulo e Curitiba.
Seria tão somente coincidência que palavras como Orixá, Exu, Ogum, Oxossi, rum, lê, Roncó, peji, Zamby, Egun e tantas outras existam tanto em uma tradição quanto em outra? Assim como palavras indígenas - e este é mais um caso a ser discutido - entraram para o mundo social dos terreiros indistintamente, assim também fundamentos africanos foram se espalhando por todos os cultos brasileiros de forma mais ou menos uniforme.
Sabemos que por dentro da Umbanda os nomes se ligam aos fonemas originais da fala cósmica, embora, claro, tudo possa ser discutido à luz das provas factuais tão queridas pela academia. Isso por um lado, pelo lado umbandista, de alguns setores esotéricos. Por outro, pelo lado das Nações Africanas, por mais que se abalize o fim do sincretismo nas novíssimas gerações dos candomblés brasileiros, há que se tomar o cuidado de se repensar cautelosamente 500 anos de história e os porquês dela assim ter acontecido. Mas tal assunto é oportuno para uma outra discussão, em outro texto, pois acreditamos que o ideal para a perfeita relação entre os cultos seja, inicialmente, o encontro das semelhanças rituais, cânticos, danças etc, de tudo aquilo que é compartilhado naturalmente, já que, de uma forma ou de outra, todos pertencem, nas origens, a uma mesma linhagem e família espiritual.

E mesmo que se pense em termos históricos e/ou tempos míticos, onde algumas correntes entendem que a Umbanda é mais nova que os Cultos de Nação e outras acreditam que ela é origem de todas as religiões do mundo, ainda assim, em ambos os conceitos há convergência, há conexão entre saberes muito antigos usados por todos. Partem de uma mesma fonte, ou são rios que se encontram num mesmo mar que só os apegados ao não-diálogo, à diversidade voltada ao ódio e à disputa não conseguem ver. Chegará um dia em que, finalmente, poderemos discutir com felicidade sobre fundamentos católicos, esotéricos, kardecistas, africanos, indígenas e tantos outros que fazem a Umbanda ser tão rica e tão maravilhosamente necessária ao colorido das opiniões diversas mas nunca contrárias em si e nem contraditórias em sua fenomênica e doutrina? Quem sabe?

Mas vamos ao que interessa: até prova em contrário que seja admitida pela ciência (pois ela mesma assim afirma, embora hajam ainda provas incontestes que podem revolucionar este conceito - o da origem humana em solo sul-americano), por volta de 50 mil anos atrás, povos negros deixaram o continente africano, adentrando a Europa, Ásia, e o continente americano modificando seu fenótipo em função dos diferentes ambientes que encontravam. Assim, a pele tornou-se branca pela ausência de sol, os olhos tornaram-se oblíquos pela adaptação a locais de muito vento, etc. No século V a.C, Heródoto afirmava existirem duas “na­ções etío­pes”, uma na Áfri­ca, ou­tra em Sind, re­gião cor­res­pon­den­te aos ­atuais ter­ri­tó­rios da Í­ndia e do Paquistão.
Marco Pólo escreveu que os in­dia­nos re­pre­sen­ta­vam ­suas di­vin­da­des co­mo ne­gras e os de­mô­nios como brancos, afir­man­do que ­seus deuses e san­tos ­eram pre­tos. Mais, ainda, em O Livro das Maravilhas, atribuído ao viajante (Porto Alegre, L&PM, 2006, pág.236), lê-se que os habitantes do “reino de Coilum”, atual cidade de Quilon, na província de Querala, eram “todos de raça negra”.
Esses povos in­dia­nos te­riam sido le­va­dos co­mo es­cra­vos da África, inicialmente por mer­ca­do­res ára­bes e de­pois pelos por­tu­gue­ses em suas naus, per­fa­zen­do uma ro­ta li­to­râ­nea situada hoje nos ­atuais Iêmen, Omã, Irã e Paquistão. Cativos e importantes em muitas tarefas, se destacaram como sol­da­dos nos exér­ci­tos dos che­fes mu­çul­ma­nos, a par­tir do sé­cu­lo ­XIII. Por vol­ta de 1459, o rei mu­çul­ma­no de Bengala possuía um exér­ci­to de 8 mil es­cra­vos africanos. Em 1500, foram conquistados pelos portugueses os ter­ri­tó­rios in­dia­nos de Goa, Damão e Diu, o que trans­for­mou dras­ti­ca­men­te a es­cra­vi­dão na Í­ndia: o de­sem­pe­nho de ­seus es­cra­vos foi relativizado a ta­re­fas me­no­res em ­seus ne­gó­cios, ca­sas e fa­zen­das e as mu­lhe­res negras pas­sa­ram a ser ­mais uti­li­za­das co­mo con­cu­bi­nas ou pros­ti­tu­tas.
Sob o domínio inglês, a maio­ria foi re­pa­tria­da pa­ra a Áfri­ca e ­seus des­cen­den­tes fo­ram dei­xa­dos em bol­sões ao lon­go da cos­ta oci­den­tal, principalmente nas re­giões cen­tral e sul (esta tese nos faz pensar: a palavra Umbanda pode tanto ser de origem Bantu como pode ter vindo, realmente, dos povos indianos que retornaram à África). Hoje o país com maior população negróide é a Índia. Hoje, além dos po­vos ­afro-in­dia­nos que lá che­ga­ram ­mais re­cen­te­men­te, os drá­vi­das cons­ti­tuem uma das pro­vas incontestes des­sa pre­sen­ça, pois estão no continente há milhares de anos, antes mesmo da invasão ariana. Localizados no Sul do ­país, e con­tan­do por volta de 100 mi­lhões de in­di­ví­duos, os povos Dravidianos têm pe­le bem es­cu­ra e fei­ções africanas, ­além de cos­tu­mes, lín­gua e he­ran­ça cul­tu­ral que evi­den­ciam la­ços com as ci­vi­li­za­ções egíp­cia, cu­xi­ta e etío­pe (segundo nos diz Nei Lopes em Kitábu: o Livro do Saber e do Espírito Negro-Africanos - Editora: Senac Rio, 2005) .
Construtores de alguns dos mais antigos e misteriosos com­ple­xos ur­ba­nos da história humana, tais co­mo os de Harappa e Mohenjo-Daro, ­mais tar­de fo­ram re­du­zi­dos também à con­di­ção de es­cra­vos e co­lo­ca­dos no ­mais bai­xo pa­ta­mar do sis­te­ma de cas­tas ins­ti­tuí­do pe­los aria­nos. Até 1951, o rei (Nizam) de Haiderabad man­te­ve uma guar­da de­no­mi­na­da “ca­va­la­ria afri­ca­na”. E es­sa re­gião (a zo­na de Siddi Risala de onde provém as fotos que abrem nosso artigo. Veja em http://www.kamat.com/kalranga/people/) con­ser­va, na cultura musical, na dança e no uso de pa­la­vras da lín­gua suaí­le, for­tes tra­ços cul­tu­rais afri­ca­nos. Pes­qui­sas re­cen­tes des­co­bri­ram a exis­tên­cia de co­mu­ni­da­des ­afro-in­dia­nas em Karna­kata, Gujarat e Anhara Pradesh, onde ­seus mem­bros se au­to­de­no­mi­nam “afri­­ca­nos” (con­for­me The African Dias­po­ra in India, 1989).

Mas muitos podem perguntar: o que este texto tem a ver com a introdução? Aqui talvez esteja o paralelo existente entre as “Umbandas Africanistas” e as Nações Africanas dos Candomblés brasileiros, com seus mistérios milenares de 10.000 anos atrás e a “Umbanda Esotérica” de muitos fundamentos indianos, remontando a datas bem anteriores, de períodos míticos e pré-históricos. As origens são as mesmas e as conexões evidentes. Por isso o atabaque, Ifá e Orixá, chacra e reencarnação pertencem tanto a uma corrente quanto à outra em suas questões metafísicas mais profundas. Basta saber olhar.

P.S. – Já ia esquecendo: é claro que não veremos nenhum negro indiano na novela da globo, assim como muitos não querem que a África exista dentro da Umbanda e que a Umbanda tenha raízes com a Índia.

Ayan Irê Ô!
William de Ayrá (Obashanan)

8 comments:

Assunção said...

Prezados amigos:

estou sempre aprendendo com as notícias postadas. Grande abraço, Luiz Assunção - UFRN

Reginaldo said...

Muito bom esse seu blogue! É uma referência para todos os estudiosos da História dos cultos brasileiros, acadêmicos ou não!

Estaremos sempre com vocês!

Assunção said...

Amigo, o cd da jurema saiu sim. Enviei para a FTU, mas gostaria de encaminhar um para vc. Mando para onde?
Grande abraço,
Luiz

Yan Kaô (Obashanan) said...

Luiz, pode nos mandar seu email? Aí mandamos prá você o endereço para você nos enviar o cd.

Obrigado!

Rafa said...

Muito interessate este artigo, no mínimo educativo e esclarecerdor, no máximo, bonito de profunda sabedoria. É necessário trabalhar- se para derrubar ou desfazer alguns estigmas para que possamos caminhar para uma unidade espiritual, não no sentido de unir religiões, mas no intuito de podermos dialogar em algumas frentes sem que estes dialogo seja agressivo. Acredito que seu artigo caminha neste sentido... talvez.

Gostei muito,
abraço!

Yan Kaô (Obashanan) said...

Pois é Rafa. Eu, particularmente, costumo dizer que não há como unir as reigiões e não se deve fazer isso, pois cada uma possui sua particularidade e peculiaridade que atinga as almas humanas que nelas militam. Religiosidade é uma coisa, espiritualidade é outra. Espírito, este sim, é unido pela sua própria origem, e este reflexo que deve permear o ESPÍRITO das religiões, filosofias, artes e ciências, ou seja, ambicionar uma unidade perdida para que sempre tenhamos a visão da totalidade e não do parcial das atividades humanas.

Um abraço e volte sempre!

P.S. Hei, fique nosso seguidor na tabela aí do lado, mano!!

Anonymous said...

Parabéns pelo selo!
Quando decidimos o que queremos fazer sempre conseguimos...
Sucesso!

Yan Kaô (Obashanan) said...

Obrigado, anönimo... mas... falo com quem, mesmo???